O Resgate
Minha avó chegou em casa com um desenho meu de 1994 . Ela tinha acabado de me entregar o maior presente da minha vida.
É um desenho simples e eu consigo enxergar mil defeitos nele: a proporção está toda errada, a perspectiva da casa não faz sentido, a preguiça em não colorir tudo, enfim muita coisa errada. É um procedimento padrão de quem sofre do perfeccionismo inútil.
Isso posto, assim que minha avó me entregou a folha minha filha olhou para mim e disse: “Mamãe! Não sabia que você era uma artista”. Meu mundo virou de ponta cabeça porque em todos os momentos eu sempre tentei me distanciar dessa palavra, por medo, por não achar que seria boa o bastante ou por preconceito mesmo.
Ouvir sua filha falar o que você sempre sonhou em ser e negou, dói. Dói demais. É um processo catártico e doloroso mas me peguei olhando novamente para aquela folha toda amassada e manchada pelo tempo e li meu nome bem grandão do lado inferior esquerdo: Gaby. Gaby com Y, não é qualquer letra. É uma letra diferente e forte. Era eu mesma. A Gabi de 9 anos. A menina que sentou do lado da avó e desenhou uma casa no campo com um laguinho azul, azul.
Minha avó teve a sabedoria em guardar ele. Foi sorte? Foi sem querer? Nunca vou saber mas ele voltou pra mim depois de longos anos. E eu não posso negar mais a existência da Gabi que desenhou, que se viu artista e pegou um pincel e pintou tudo isso ai.
Toda vez que eu olho para ele eu me pego emocionada. Que besteira essa de crescer né? Virar adulto e deixar a sua criança no passado, de castigo, sentada no canto e sem brincar de nada.
Fiquei pensando nisso esses dias e resolvi honrar a menina do desenho. Fui acordar a minha criança e chamei ela para brincar. Comprei giz e aquarela e entreguei para a Gaby com Y. Ela ainda está meio anestesiada do sono profundo e um pouco mau humorada mas aos poucos tá pegando o jeito.
Esse resgate me trouxe para um lugar muito divertido e criativo. E é aquela coisa “eu estava tentando enganar quem?” minha filha que não e muito menos minha avó.
Esse projeto da escrita e de colocar as minhas ideias e pensamentos aqui no mundo real se deu a partir desse desenho. E eu prometo honrar a Gaby de 9 anos.
Quantas vezes nos deixamos de lado? Falamos para nós mesmos que vamos voltar a brincar com nossa criança e nunca voltamos?.
Ontem conversei com uma pessoa que ama surfar e que desde que se mudou para São Paulo não achou tempo. Não consegue encaixar uma viagem para a praia. Não tem um dia de folga.
Não tem tempo. Depois ele vai, quando der.
E quando ele se der conta já se passaram 30 anos.
Tenho essa placa pendurada na minha parede da sala. Parece piada mas comprei antes do desenho e porque sou a rainha de dizer que não vai dar tempo para nada. Um lembrete visual que dá tempo de fazer tudo, ser tudo e sentir tudo. SIEMPRE HAY TIEMPO.
Já foi lá acordar a sua criança?
Ela está esperando por você!
Ahhh esse texto me emocionou e tocou de tantas formas, a vida adulta por vezes é um trator que simplesmente passa pela gente nos fazendo esquecer de sonhos e desejos que nossas versões crianças amavam.
Chegando só hoje, mas chegando.
Eu, quando tinha 8 anos de idade, fiz algumas promessas para mim mesma. Eu detestava o mundo dos adultos, eu não queria crescer. Mas eu sabia que não poderia simplesmente me recusar. Prometi que não seria totalmente adulta, prometi manter as coisas que eu julgava fundamentais. Eu tenho uma lista de coisas que frequentemente eu converso com a Luiza de 8 anos. Obviamente eu decepcionei ela em alguns pontos, mas outros eu creio que ela estaria orgulhosa. Eu fiz e faço o melhor que posso. Eu via muita razão e consciência na Luiza criança e eu me orgulho MUITO de seguir os meus conselhos de criança. Se a vida não perdeu a beleza, foi pelo colorido dos desenhos da criança que eu nunca deixei morrer.